Manual do torcedor de ginástica

Desde 2007, nos Jogos Pan-Americanos, o Brasil não recebe uma competição de grande porte como será a Copa do Mundo de Ginástica Artística em São Paulo nessa semana. Quem acompanhou o Pan de perto sabe a pressão que os ginastas sofreram por parte do público, este que ainda possui uma parte que não sabe como torcer adequadamente pela ginástica. O fato é completamente compreensível, principalmente levando em consideração que, apesar dos grandes resultados dos anos 2000 pra cá, a ginástica ainda não alcançou no Brasil a popularidade que existe, por exemplo, nos países europeus.

Para a torcida em geral não existe certo ou errado, mas deve haver uma certa coerência com relação à ginástica artística. Durante as séries, em suas acrobacias, os ginastas já lidam com uma pressão natural do complexo esporte, e uma forcinha externa pode não ajudar tanto quanto você pensa. Ginástica não é tão simples como dar chute ou tapa em bola, ou mesmo correr por uma pista de atletismo. A ginástica artística é um esporte extremamente técnico, mas lida com muitos riscos e isso exige concentração, equilíbrio e domínio completo do próprio corpo. Não vá para o ginásio achando que está indo para uma final de Copa do Mundo de Futebol (como caracteriza a foto desse texto) que as coisas na ginástica funcionam bem diferentes…

Então, o que eu vou fazer? Como vou torcer? Posso gritar? Torcer contra? Tirar foto? Confira abaixo algumas coisas do que fazer e do que não fazer durante uma competição de ginástica artística.

Ofensas


Nunca. Uma arena de ginástica não é um estádio de futebol. Não se usa xingar alguém, nem mesmo os juízes, numa competição de ginástica. Quanto mais os atletas! A forma de “pressionar” um pouco os juízes é batendo palmas, começando de forma lenta e espaçada e depois acelerada, quando uma nota às vezes demora a sair. É um pouco chato ficar muito tempo esperando a nota, então o público as vezes pressiona para que ela venha mais rápido. Raríssimos casos de vaias já aconteceram, mas isso quando um público bem entendedor do esporte não achou a nota justa de acordo com a série apresentada, como foi o caso do russo Alexei Nemov na final olímpica de barra fixa em 2004. Mas, se você não entende o mínimo do código de pontuação, não ouse vaiar a nota de uma série!

Muitos pseudo-torcedores brasileiros (também considerados pseudo-treinadores e pseudo-árbitros, mesmo sem nunca entender o esforço que pode existir em aprender um simples “kip” nas barras) também costumam fazer comentários ofensivos aos ginastas, treinamentos e séries apresentadas, tanto na internet quanto ao vivo. Apesar de já ter aparecido comentários assim na nossa página do Facebook (onde os leitores podem comentar abertamente), sempre que detectados os comentários são excluídos. O Gym Blog Brazil não apoia nenhum tipo de crítica ofensiva à nossa seleção e atletas da ginástica. Se você tem alguma opinião rude, indiscreta e/ou ofensiva, guarde para você.

Preconceito

Não cabe em lugar nenhum, seja ele por raça, cor, sexo, orientação sexual, religião… Vale lembrar que, recentemente, uma torcedora de futebol do Grêmio ofendeu o goleiro de um time adversário e, bem na hora em que ela gritava “macaco!!!” de forma muito eufórica, uma câmera de TV a pegou em um close e ela acabou sendo investigada por conta da atitude retrógrada. Já houveram comentários ofensivos na internet com relação à opção sexual de ginastas, isso também é uma forma de preconceito onde cabem processos e investigações. Não cabe ao público avaliar as aparências físicas e preferências dos atletas, eles estão ali para serem avaliados pelos juízes de acordo com a ginástica que apresentam.

Um caso recente de preconceito chamou a atenção do Mundo inteiro em 2013, quando a ginasta italiana Carlotta Ferlito disse que passaria uma tinta preta no corpo para ver se ganhava notas mais altas dos juízes, se referindo à americana Simone Biles, negra, que acabou ficando melhor colocada do que Ferlito na final de trave do Mundial. Uma atitude reprovada por todos que assistiram o vídeo da entrevista onde haviam as declarações e nem o pedido público de desculpas conseguiu melhorar a imagem da italiana depois do ocorrido.

Gritos e assovios


Depende. No fim da série, de forma positiva, é sempre bem-vindo. No começo da série também, pra dar aquela força pro seu ginasta preferido. Mas, durante a série, é melhor ter cautela. Por exemplo: durante uma série de barra fixa, quando os ginastas fazem alguma largada bem difícil e alta, é comum ouvir um “ooooh!” da plateia. Quando são realizadas em sequência, acabam merecendo uma salva de palmas durante a série mesmo. A mesma coisa acontece no solo! Já na trave, o melhor é o silêncio absoluto durante a série. Ainda assim é costume ouvir um “fica!” quando a ginasta se desequilibra em algum elemento; algumas ginastas, quando um elemento muito difícil é bem executado, já ganharam uma salva de palmas durante a série, mas não muito longa. Se tiver dúvidas, não vá sair batendo palmas para tudo que é elemento que você achar difícil e interessante! Espere um pouco a reação da platéia que, com certeza, vai contar com torcedores mais experientes.

Quando os atletas caem do aparelho, palmas do público também são sempre ouvidas. Isso estimula o ginasta a continuar e demonstra um carinho da plateia que estava torcendo para que ele acertasse sua série. Significa “força, não desiste”, e é bem legal quando isso acontece.

Posso torcer contra?

Muito feio. Na verdade, vergonhoso. Quem realmente gosta de ginástica está ali no ginásio para apreciar um espetáculo dos atletas, independente do país que ele representa, e isso inclui o acerto de todos. Não há nada mais chato do que ver um ginasta ganhando por que o outro caiu. Torça sempre para que todos acertem porque aí realmente vai vencer o melhor. O público brasileiro comemorou quando a ginasta chinesa Cheng Fei caiu no solo na Super Final da Copa do Mundo de Ginástica Artística de 2006, também em São Paulo. Existe a compreensão de que o público brasileiro foi/é  muito caloroso; tinha muita emoção na hora, já que Fei era a principal adversária de Daiane dos Santos, mas foi a única vez que vimos a chinesa, tão respeitada no mundo inteiro, ter um erro comemorado. Em uma entrevista na época, Daiane disse que estava feliz com o ouro mas gostaria que Fei tivesse feito a série sem quedas para ver como o resultado seria. Aí está o espírito esportivo de uma verdadeira campeã!

Não precisa torcer para alguém errar. Torça para que o Brasil vá lá e faça seu trabalho da melhor forma possível. Temos bons ginastas competindo com boas séries, só precisam de calma, concentração e o apoio carinhoso da torcida.

Fotos e aparelhos sonoros


As fotos são permitidas e super interessantes, mas quando são tiradas com flash elas atrapalham. Leve sua máquina e tire quantas fotos quiser, só não deixe de programá-la para uso sem o flash. Aparelhos sonoros, como buzinas e alto-falantes, também não são legais e atrapalham na concentração dos ginastas. Se mesmo assim fizer questão do uso, use-os apenas no fim da série junto aos assovios e palmas. Uma sugestão: quer levar algo? Leve a bandeira do Brasil. Tomara que a sua bandeira e a bandeira hasteada no ginásio balance muito no próximo fim de semana!!!

Compartilhe o link desse texto com seus amigos e familiares, principalmente os que vão assistir a competição e nunca estiveram em uma. Pode ser de grande ajuda para todos… Boa sorte, Brasil!

Post de Cedrick Willian
Foto: Divulgação