Análise sobre a atual situação da ginástica artística feminina do Brasil
24 de outubro de 2011Seleção masculina de ginástica artística fatura ouro inédito por equipes no Pan
25 de outubro de 2011Aconteceu nesta noite a disputa por equipes da ginástica artística feminina nos Jogos Pan-americanos de Guadalajara. O resultado foi bastante decepcionante para nós brasileiros já acostumados desde Winnipeg (1999) a ter nossa equipe feminina no pódio.
As campeãs
As norte-americanas conseguiram mais uma vez o título de melhor equipe das américas. Com uma equipe totalmente diferente da equipe do campeonato mundial as ginastas conseguiram superar com facilidade o Canadá. Digo isso porque não achei que elas competiram bem. A trave e o solo foram bem falhos, mas mesmo assim ficaram aproximadamente dois pontos à frente das segundas colocadas. Gostei muito de ver os upgrades da Shawn. Ela tirou uma ótima nota nas assimétricas e no salto, porém na trave, onde esperava-se um show da ginasta, a performance deixou muito a desejar. Shawn começou a série de trave muito bem, mas caiu no mortal grupado com pirueta e também na cortada, que provavelmente seria ligada com um mortal layout e outro carpado. Dessa forma a nota de dificuldade e execução despencou. De qualquer modo a ginasta está mostrando que pode recuperar muitos dos elementos que apresentava no auge de sua carreira.
As vice-campeãs
O Canadá mostrou que se recuperou de uma má fase que se iniciou após as Olimpíadas de Sidney e que se estendeu até esse ano. Apesar de não ter visto muito delas na apresentação de hoje, conheço as séries das canadenses e sei que elas têm melhorado bastante. As ginastas estão incorporando cada vez mais dificuldades em suas séries e estão apresentando boa execução também. Essa equipe deve conseguir a vaga olímpica sem grandes problemas. Espero que continuem nesta trilha de sucesso.
A medalha de bronze
A equipe mexicana pressionada pela torcida (sempre acho tenso essa coisa de competir em casa), conseguiu uma boa performance e conquistou a medalha de bronze. Apesar de estar torcendo pela nossa seleção, fiquei feliz pelas mexicanas. Em 2007 no Pan do Rio, as mexicanas haviam conquistado o bronze. Mas a medalha foi retirada da equipe devido ao fato de uma de suas ginastas titulares ter sido inscrita como árbitra e não como ginasta (algo assim aconteceu… não estou totalmente seguro da informação). Sei que o problema foi com a ginasta Yessenia Estrada, que pôde hoje confirmar o bronze que havia conquistado 4 anos atrás. Não vi muito das mexicanas também, mas vi o suficiente para aplaudir a medalha de bronze delas quando as vi em ação nas paralelas assimétricas, seu último e decisivo aparelho. Não estou dizendo que as ginastas foram incríveis nem nada assim, mas elas deram um show no Brasil. As séries muito bem montadas e apresentando dificuldades bem mais contemporâneas em comparação com a nossa seleção. Pelo menos essa foi a minha impressão no momento em que assisti as séries.
Brasil
A nossa seleção terminou em quinto lugar. A equipe da Colômbia fez o suficiente para nos superar também. Por pouco… mas o suficiente. Queria eu que o Brasil tivesse feito pouco mas porém suficiente para passar o México. Enfim.
Nossa seleção começou de forma promissora no salto. Mas já de cara percebi um cansaço geral nas ginastas. Não sei se porque eu já esperava que elas estivessem muito desgastadas depois de tanto tempo de aclimatação e competições no Japão, mas eu realmente percebi uns rostinhos cansados das meninas. A seguir, as ginastas foram para a paralela e não foram bem. Não cometeram muitas falhas visíveis, mas aconteceram pequenos, ou não tão pequenos erros de execução. Nossas ginastas apresentaram baixo grau de dificuldade nas séries (para nível internacional) e além disso, ou apresentaram trocos fora do padrão de execução exigido na atualidade ou então tiveram falhas na saída, como a Dani por exemplo, que teve um passo largo na chegada, onde os árbitros poderiam lhe tirar 0,5. A paralela do Brasil em Atenas era o nosso melhor aparelho. Laís e Daiane erraram na classificatória daquela Olimpíada, mas a Dani, Camila Comin e Ana Paula Rodrigues competiram muito bem e tiraram excelentes notas. A Daniele quase entrou para a final. O que acontece então? Acontece que o código de pontuação sofreu grandes mudanças desde aquela época. Os trocos fora da parada de mãos não eram despontuados como hoje. A Dani, por exemplo, tinha trocos de valor D e E em sua série naquela época, mas hoje em dia ela receberia muitos descontos por executá-los, pois o seu padrão de execução é muito diferente do exigido atualmente. O mesmo acontece com a série da Daiane, que tem uma série de paralelas interessante quando coloca toda sua dificuldade na série, mas deixa a desejar na execução do padrão atual. “AHHHH então pelo amor de Deus né? Manda essas meninas treinarem mais!” Bom, não é bem assim que funcionam as coisas. Na ginástica o atleta deve começar cedo pois a idade mais sensível ao desenvolvimento das capacidades coordenativas acontece na infância. Dessa maneira, uma ginasta que inicia seus treinamentos na puberdade terá maiores dificuldades de aprendizagem dos elementos da ginástica, pois exigem grande nível de coordenação motora, salvo raras exceções é claro. O que eu quero dizer com tudo isso é que as nossas guerreiras, Daniele e Daiane, foram formadas nos anos 90. Foram formadas para um outro tempo da ginástica. Para um tempo onde os trocos não precisavam ser na parada e as séries neste aparelho eram bem mais simples (de uma maneira geral). “O que aconteceu então? elas não se atualizaram?” Não é isso. Mudar um padrão de execução, moldado e repetido à exaustão por anos e anos, não é algo simples. Existem ginastas que se mantém competitivas por muitos ciclos olímpicos. Exemplos: Chusovitina, Sacramone, Ponor… Essas ginastas se aposentaram e voltaram à ativa algumas vezes, e parecem voltar mais fortes não é mesmo? Mas nenhuma delas se manteve competitiva nas paralelas. Se manter competitiva na trave, solo e salto é uma tarefa menos complicada para uma veterana. Basta manter-se saudável, sem lesões, magra e forte. E algumas conseguem. Mas na paralela é um pouco diferente na minha forma de ver. Na paralela as técnicas de giros e trocos têm evoluído muito, o que impulsionou uma grande evolução nas séries deste aparelho. A própria equipe americana encontrou dificuldades em acompanhar a evolução das assimétricas. Até Atenas os EUA tinham nas paralelas sua grande força. As americanas foram primeiro lugar empatadas no mundial de 2003 e segundo e terceiro lugar na final de paralelas de Atenas. Ainda em 2005, último ano do código antigo, foram primeiro e segundo lugar no mundial de Melbourne. Com as mudanças de 2006 no código apenas Nastia Liukin continuou entre as melhores do mundo neste aparelho. Neste ano parece que as americanas estão encontrando seu caminho nas paralelas. Ainda ficam atrás das russas e chinesas, mas já melhoraram muito. A quantidade de elementos e ligações novas que tem surgido nas paralelas é impressionante. Já no solo, trave e salto são poucas as novidades. Tanto é que até hoje um duplo com dupla grupado no solo é motivo de espanto do público, sendo que esse exercício surgiu nos anos 80. Já uma série de paralelas desta época não é nada hoje.
Retomando o assunto Pan 2011, nossas ginastas antigas fazem milagre de estarem competindo paralela na atualidade, e as outras ginastas como a Bruna, Priscila, Gabriela e Adrian não apresentam um nível alto neste aparelho. A culpa é de quem no caso delas? Não sei. A Ana Cláudia tem uma série ótima de paralela, mas encontra dificuldades de fazer a saída, e isso prejudica demais a série. Ela tem um estilo particular mas muito atual. Um estilo elegante, como o da Caroline Molinari e Ana Paula Rodrigues, Kiuani Dias, Milena Megumi e Laís Souza. E onde estão essas garotas? Algumas deixaram o esporte mais cedo do que esperávamos, outras tentam se recuperar de lesões e outras não sei mesmo. A barra realmente é a nossa maior urgência no momento. Na trave não entendi a saída da Priscila, fez apenas uma pirueta para frente, sendo que costuma fazer rondada+flick+duplo grupado… Cansada? Lesionada? Informações que dificilmente chegam a nós. Bruna cumpriu com sua série. Acho ela uma ginasta tão linda! Gostaria muito de vê-la subindo o grau de dificuldade neste aparelho. Adrian sofreu uma queda na entrada. Mas gostei de ver. Ela se arriscou. Aquela entrada de layout vale D. Ela faz bem feita, tem que arriscar. Senão, vamos ver essas meninas competindo com séries simples e limpas até quando? Acho que elas têm que se arriscar mesmo. Olhando as notas percebi que quem mais se arriscou em elementos de maior grau de dificuldade, mesmo errando conseguiu notas melhores ou quase iguais às notas de quem não se arriscou. Se a ginasta arrisca e acerta a nota vai lá para cima. Se nunca arriscar, nunca vai sentir segurança de apresentar aquele elemento em uma competição. Nunca vai construir uma reputação para aquela série. Não é “se jogar” num elemento que não consegue fazer, mas se arriscar naquilo que faz bem em treino mas tem medo de colocar em competição. A Dani foi muito bem na trave. Uma pena a queda. “Ahhh ela não deveria ter tentado ligar a roda sem mãos com o mortal lateral”, deveria sim! Se elas não arriscarem séries mais difíceis, se não lutarem por cada décimo que possam aumentar em suas séries, não vão conseguir mais nada, e terão um fim triste para uma carreira espetacular. Já vi a Gabriela treinando no Flamengo, e sei que ela poderia ter feito bem melhor. Mas infelizmente não aconteceu. Ela tem uma boa trave, mas estava visivelmente nervosa. Normal, pois esta é sua primeira grande competição internacional. No solo foi visível o cansaço das ginastas. As séries foram apresentadas com grau de dificuldade inferior ao que sabemos que as meninas podem apresentar. A equipe canadense e mexicana não apresentou o mesmo cansaço do Brasil, apesar de estarem em maratona Mundial/Pan bem parecida, mas eu sei lá que “red bull” que elas tomaram… não vem ao caso. As brasileiras estavam cansadas sim. Totalmente compreensível. Daiane começou sua série de forma brilhante. Acertando acrobacias e elementos ginásticos. Mas aquela queda no duplo grupado… foi muito triste. Queria muito que o último Pan dela fosse diferente. De qualquer modo, a não classificação para nenhuma final individual dela em seu último Pan não diminui seu valor para nossa ginástica. Podem falar o que quiser das falhas de execução dela: para mim, Daiane é a ginasta mais incrível no solo de todos os tempos. No fim das contas o que dizer… de quem é a culpa? Acho que de toda uma falta de estrutura e planejamento de confederação, mas também, falta de apoio de iniciativa governamental e privada também. É muito simples resolver todos os problemas com frases como:
-elas precisam treinar mais.
-elas não têm vontade.
-elas estão acima do peso.
-elas estão velhas.
-elas isso, elas aquilo.
Tenho certeza que elas queriam uma medalha. Queriam um ótimo resultado. Mas não há como fazer milagres. Elas deram o que poderiam dar naquele momento específico. Uma coisa é fato: uma geração de ginastas se perdeu. Esse buraco de renovação que temos hoje não aconteceu do nada. Quantas vezes as equipes dos EUA, Romênia, Russia, se renovaram? Muitas vezes, apesar de algumas veteranas terem resistido e ainda resistirem em alguns lugares.
Acredito que muitos assim como a própria Daiane dos Santos vão falar: Oleg, Oleg, Oleg! E eu digo: Oleg, Oleg, Oleg! Mas é simplório achar que todos os problemas da ginástica feminina brasileira se resolverão apenas com a ajuda dele. Acredito que treinando com o Oleg as meninas possam melhorar muito sim. Mas o que precisa ser feito é termos muitos Olegs pelo Brasil. Muitos Olegs trabalhando e dando cursos para muitos Joãos e Marias da Silva, pois o mais importante é o treinador. Todos os dias nascem meninas talentosas, mas quantas delas encontrarão o treinador e o ginásio adequado para se desenvolverem? Desse modo, a figura do treinador é a base de tudo. Não é o Oleg que todo mundo clama como fosse um santo? Pois é. Ele é um treinador. Precisamos de muitos como ele. Muitos. Os EUA têm muitos Olegs. Mas também possuem muitos John Geddert, Mary Lee Traci, Kelly Hill, Marvin Sharp. Treinadores estrangeiros são sim a salvação. Mas essa salvação deve ser associada a um bom planejamento de como utilizá-los para capacitação de nossos treinadores. Mas não digo apenas dos treinadores do Flamengo, do Cegin ou do Pinheiros. Além desses existem muitos outros clubes com sede de conhecimento. Só esperam uma oportunidade para crescerem. Se o treinador lá do Acre, Roraima, Minas Gerais, Espírito Santo, souberem formar atletas tão bem quanto os treinadores do Cegin ou Flamengo, quantos talentos poderão aparecer e ser aproveitados? Pode ser que esses treinadores espalhado pelo Brasil todo não serão todos capazes de formar um campeão mundial, mas poderão dar a base suficiente para que esses talentos mais tarde possam ser aproveitados pelos Olegs, Kelis e Ricardos quando chegar a hora de serem chamados para treinarem em um clube maior e mais tradicional. Gabrielle Douglas, por exemplo, não foi formada na Chow´s Gymnastics. Faz um ano que ela saiu do Excallibur, ginásio onde foi formada e treinou até outubro do ano passado. Faz um ano que ela tomou a decisão de partir de sua terra para treinar com um treinador mais renomado. A decisão parece ter sido acertada, Chow poderá levá-la mais longe. Mas, se ela não tivesse sido bem formada em seu clube de origem, não poderia ter seu talento potencializado por um técnico de maior expressão internacional. E mais importantr: se o único treinador competente dos EUA estivesse na Chow, a campeã mundial por equipes e finalista de paralelas Gabby Douglas nunca teria existido. Bom galera, para finalizar desejo sorte às meninas nas finais que se classificaram. Ninguém se classificou entre as primeiras, mas final é final e tudo pode acontecer. No mais, desejo que após o Pan os nossos dirigentes e treinadores principais encontrem junto com as atletas um caminho para superar toda essa crise. Se alguma menina da seleção ler este post, saibam que torço muito por vocês. Vocês são guerreiras demais. Sem vocês não teríamos uma equipe para nos representar. Força! O que escrevi neste post é a minha visão dos fatos. Provavelmente estou errado, pois não sou eu que estou ali no dia a dia da seleção. Ver a situação de fora e apontar todas as falhas e soluções é muito fácil, e foi isso que fiz neste post. Olhei de fora e apontei falhas e soluções mirabolantes. Boa Sorte Brasil.