Entrevista exclusiva do Gym Blog Brazil com Nilson Savage, técnico da ginasta Jessica Lopez

Sabe aquela pessoa empolgadíssima com ginástica? Aquela que, se você deixar, fala de ginástica o dia inteiro? É com esse tipo de pessoa que eu adoro conversar. É esse tipo de pessoa que é o Nilson Savage, brasileiro treinador da super ginasta venezuelana, Jessica Lopez. Conheça um pouco da história desse cara mega simpático e, como a maioria que frequenta o blog, apaixonado por ginástica!

GBB:
Como você se inseriu no meio da ginástica, e acabou por se tornar um treinador? Você foi atleta?

NS:
Eu estudava Educação Física e era namorado da Altair Prado (integrante da seleção brasileira dos anos 80) na época da universidade. Comecei a me aprofundar nos estudos da ginástica por causa do interesse da Altair pelo esporte. Fui preparador físico da equipe de nado sincronizado do Flamengo e já estava por aqui (no Flamengo), e acabei despertando meu interesse. Aí eu comecei a trabalhar com a ginástica, trabalhei com a Berenice Arruda, em uma academia que ela tinha em Jacarepaguá; depois trabalhei com o José Carlos Eustáquio até que eu caí no Flamengo e comecei a ajudar a Georgette Vidor com a equipe que treinava aqui.

GBB:
Isso foi quando???

NS: Isso foi em 85…

GBB: E você ficou aqui até quando?

NS: Fiquei aqui até 89.

GBB: E então você foi pros Estados Unidos? Como isso aconteceu? Você foi à convite de quem?

NS: As coisas aqui no Brasil estavam difíceis e eu fui por interesse meu. Consegui fazer um estágio no Bella Karolyi, onde a seleção do Brasil já tinha ido em 88, e tive a oportunidade de voltar e trabalhar com o Bella. Depois que saí de lá, trabalhei com outro romeno e então comecei a minha vida na ginástica dos Estados Unidos.

GBB:
Nesse tempo que você ficou fora, com certeza você aprendeu muita coisa. Como a Jessica apareceu na sua vida?

NS: Eu treinava a equipe da universidade de Oklahoma. Fiquei em Oklahoma durante 10 anos e aí me mudei pra Denver. A Jessica era uma atleta que estava em Denver. Eu cheguei lá 30 dias antes do Pan do Rio, 2007, e comecei a treiná-la. Ela veio pro Pan sozinha, eu não pude vir porque estava trabalhando. Então ela acabou conseguindo uma vaga na seleção da Venezuela, e eu acabei sendo convidado para levá-la ao Mundial de Stuttgart, na Alemanha, no fim de 2007, que era classificatório pros Jogos Olímpicos de 2008. Ela começou a saltar pela primeira vez. Ela não saltava! O primeiro salto de valor foi a reversão com mortal carpado. Ainda não fazia o yurchenko…Jessica acabou pegando a última vaga para os Jogos Olímpicos e isso foi o que deu um impacto na vida dela como ginasta. Dái pra frente as coisas mudaram…

GBB: A Jessica não saltava? E agora ela salta um yurchenko com dupla pirueta???

NS: Pegamos firme desde o início, desde o básico. Fizemos vários educativos pra ela perder o medo. A Jessica tinha muito medo de saltar, ela já teve vários problemas como passar da prancha, bater no cavalo… A gente ainda batalha contra esse medo, mas já está bem melhor. Passamos dessa etapa do medo. Graças à Deus ela tem melhorado e evoluído a cada ano. Jessica tem 26 anos de idade e ainda está evoluindo, seja na procura de elementos melhores ou no trabalho de força e artístico. Ela é uma ginasta que quer muito, tem um amor pela ginástica muito grande e motivação de continuar treinando.

GBB: E agora você está trabalhando onde? Está em algum clube?

NS: Eu tive meu próprio clube durante dois anos e meio, mas acabei vendendo. Agora eu trabalho para a Federação de Ginástica da Venezuela, sou técnico da Jessica Lopez. A Federação me paga para o treinamento individual dela, e nós treinamos em um dos ginásios da franquia que comprou o meu ginásio.

GBB: A Jessica melhorou muito as séries dela e o grau de dificuldade também. Lógico que isso se deve ao talento dela, mas com certeza se deve muito a você. Era esperado que a Jessica estivesse na final de paralela em Tóquio e, também, que ela tivesse um melhor desempenho no individual geral também. O que aconteceu, na sua opinião?

NS: Olha, eu particularmente não gosto de criticar o trabalho dos juízes sobre o que se passou no Mundial. Jessica não deu muita sorte de estar no segundo rodízio, que é um rodízio em que as notas ainda estão um pouco apertadas. Não deveria ser assim, a julgamento deveria ser igual da primeira ginasta até a final mas, infelizmente, isso é algo que ainda não acontece na ginástica. Os juízes fizeram os trabalho deles. Haviam três ou quatro juízes das Américas julgando a paralela, inclusive a juíza chefe era mexicana. Se você for pensar por um lado, tínhamos até uma ajuda das Américas, mas foram justamente os juízes que deram as notas mais baixas pra Jessica. É difícil de elaborar algo sobre o que aconteceu. Jessica ficou machucada pro quatro meses, ela teve uma tendinite crônica no tendão de aquiles, ficou sem treinar aparelhos que usam os pés e a gente teve que fazer um trabalho muito especial pra ela conseguir competir no Mundial. Eu cheguei a pensar que ela nem poderia competir…Dedicamos muito nos treinamentos porque nosso objetivo maior era a classificação olímpica. A única maneira de conseguir a classificação olímpica era garantindo uma final, em primeiro lugar, e depois, dentro da final, tentar pegar uma medalha, que é uma coisa super difícil em um Mundial. O salto, como não existe o mesmo número de ginastas saltando dois saltos, já é um aparelho mais fácil de conseguir. O nosso objetivo, de treinador e atleta, foi trabalhar o máximo que pudemos na paralela e colocar uma nota de partida boa, para que pudéssemos ter a chance de vaga na final. No primeiro dia de competição a Jessica fez a paralela esperada e cravou a saída. Na minha opinião, a série que ela fez foi pra uma nota entre 14,600 e 14,700, mas ela acabou ficando com 14. Em uma competição (Copa do Mundo de Ghent) duas semenas antes, ela fez a mesma série, teve uma queda e tirou a mesma nota do Mundial. Acho que as pessas que conhecem a ginástica sabem o trabalho que ela fez. Ela ficou muito frustrada com a nota que deram pra ela, mas continuou na competição. Depois a gente conversou. Eu falei pra ela que a nota dela foi consequência de vários fatores e ela acabou entendendo. Ela me pediu para tirá-la da final, disse que não tinha nenhum interesse em estar na final. Disse que estava lá pra mostrar o trabalho dela e acabou não sendo reconhecida, então, não tinha nada pra mostrar além do que fez. Fiquei um pouco frustrado também, mas acabamos por competir a final do individual geral mesmo assim. Ela estava em quinto lugar antes da paralela, e aqueceu a paralela bem. Aí teve o azar de cair no jaeger esticado e machucou o braço. Então ela me pediu para tirá-la da competição de novo. Eu pedi para ela fazer um esforço e continuar, e ela continuou. Terminou a série de paralela, teve 3 quedas no total, e tirou 10,400. Não terminamos o Mundial como queríamos ter terminado, mas eu dou crédito pra ela. A série mais forte dela, na paralela, ficou pronta em cima da hora, e ela conseguiu fazer a série completa em competição apenas uma vez e, mesmo assim, teve coragem de chegar no Mundial e fazer a série pela segunda vez. As quedas foram consequência de uma série de fatores, até mesmo pela pouca repetição.

GBB:
A série da Jessica estava muito boa. Pra mim, que acompanho a ginástica de perto, foi um pouco decepcionante, porque eu esperava mesmo que ela estivesse na final. Fico feliz que ela não tenha ficado desmotivada. Como está sendo os treinos da repescagem?

NS: Na repescagem, fora as equipes, terão 31 vagas para 40 ginastas. Como só podem ir uma por país, posso te dizer que serão 33 meninas competindo para 31 vagas. É mais ou menos esse número, então posso te dizer que temos uma chance muito grande. Com a queda no Mundial, Jessica se motivou ainda mais, o que me surpreendeu! Eu achei que seria o contrário. O salto já está melhor, ela já voltou a fazer a dupla pirueta e, aqui no Brasil mesmo, ela já tentou a dupla e meia, o que quer dizer: ela está evoluindo pra chegar num nível ainda melhor. Ela está buscando fazer o melhor dela, buscando a classificação, e mostrando a qualidade de ginástica que ela tem.

GBB:
Quais são os seus planos depois dos Jogos Olímpicos?

NS: Meus planos serão direcionados pelo que vai acontecer com o meu filho. Ele está querendo vir para o Brasil jogar futebol. Possivelmente ele terá uma oportunidade no Flamengo e também em outros clubes para fazer alguns testes. Eu quero que ele tenha condições necessárias para chegar ao que ele almeja e eu vou ajudá-lo nisso. Mas mesmo que ele não consiga jogar profissionalmente, estou com a ideia de voltar ao Brasil e voltar a ensinar ginástica aqui. Eu espero que algumas portas se abram. Recebi propostas para ir para outros países e não aceitei, porque eu acho que a minha vida é aqui. Quero fazer isso pelos meus filhos e pela minha família também. Acho que a ginástica do Brasil é uma ginástica do futuro, as meninas daqui tem uma qualidade ideal para fazer ginástica. Só espero que exista o apoio da Confederação Brasileira, que ela continue apoiando os clubes, pra que a ginástica do Brasil melhore e, no futuro, possam haver ginásios privados que consigam viver da ginástica e trazer melhores atletas para a seleção.

GBB: Se sua volta ao Brasil for viabilizada, a Jessica tem o interesse de continuar treinando com você aqui?

NS:
Isso é meio difícil especular. Ela sabe que depois dos Jogos a minha intenção é de voltar para o Brasil. Independente disso, eu sempre vou dar prioridade para a Jessica. Ela me fez crescer muito como treinador e me deu uma oportunidade muito grande de mostrar o meu trabalho. Como você mesmo disse: ela é super talentosa, tem uma habilidade física muito boa. Mas isso, sem uma direção, sem uma pessoa ou instituição muito boa apoiando, fica difícil de evoluir. Ela recebeu o apoio da Federação da Venezuela e o meu apoio como uma pessoa que acreditou e ajudou desde o princípio, quando ela reiniciou o trabalho de ginástica de elite. Acredito que essa decisão virá no momento certo, mas eu adoraria continuar treinando ela para uma outra Olimpíada, se possível.

GBB: Ela não tem nenhum plano de parar por enquanto?

NS: Ela não tem plano de parar e nem de continuar. Depois das Olimpíadas ela vai tomar a decisão que ela tem que tomar. Jessica foi convidada para competir por dois países de ponta e ela não aceitou no momento, por acreditar que precisa terminar esse ciclo e fazer com que o país que apoiou ela seja reconhecido pelo investimento que fizeram. Se ela se sair bem nas Olimpíadas, com certeza terá mais oportunidades. Temos que viver um dia de cada vez, um passo de cada vez, até que possamos chegar lá, mostrar o nosso trabalho e ela consiga se sair bem.

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