Diante de tantas denúncias feitas ontem e hoje em rede nacional nos programas e sites da Rede Globo, não existe a possibilidade de se calar. É preciso retomar um assunto de extrema importância, e que já foi tratado aqui no blog em muitos outros posts: o abuso sexual. O abuso, dentro e fora do esporte, é uma epidemia global. Não acontece só nos EUA e muito menos só na ginástica: está no futebol britânico, na ginástica americana, nos atletas, treinadores, babás, vizinhos, professores…em todo lugar! Mas, talvez, o pior sentimento com relação ao abuso esteja no Brasil: o sentimento de impunidade.
Em menos de um ano da primeira denúncia feita nos Estados Unidos contra o médico Lary Nassar, o agressor já está preso e condenado a passar o resto da vida na prisão. Ao passo que o processo americano – que começou depois do nosso – já foi concluído, o processo contra o ex-treinador da seleção brasileira Fernando de Carvalho Lopes se arrasta devagar e deu a oportunidade, até a manhã de hoje, do treinador continuar trabalhando no mesmo clube onde as acusações de abuso aconteceram.
Essa sensação de impunidade talvez seja o maior peso no momento da escolha da vítima em denunciar ou não. Ela paira sobre o caso de Fernando: a denúncia foi feita a mais de dois anos e sensação das vítimas é de que o caso está parado, sem evolução. Como foi dito, o treinador, até hoje cedo, continuava trabalhando normalmente no clube MESC, cenário da maior parte das acusações de abuso contra ele. É impressionante como o medo da opinião pública fez o clube agir tão rápido e agora, menos de 24h após a reportagem, o treinador foi afastado do seu cargo.
Estamos aqui para isso: fazer o medo da opinião pública agir em favor da justiça, esta que se move tão lentamente no Brasil. Se a reportagem serviu, pelo menos, para afastar o treinador do clube e de outras vítimas em potencial, então ela já valeu para alguma coisa. Obviamente a mídia televisiva não é inocente a ponto de tentar nos convencer de que está prestando um serviço de utilidade pública ao Brasil e às vítimas. Estão, em primeiro lugar, em busca de ipobe. Entretanto, nos casos de abuso sexual, qualquer resultado positivo, por menor que seja, continua sendo um resultado positivo.
A coragem demonstrada por Petrix Barbosa e Ronald Oliveira, que conseguiram mostrar seus rostos em rede nacional, merece ser aplaudida e valorizada. Isso dá força para que outros falem. Conseguiram enfrentar seus demônios interiores e serem exemplos de superação e coragem. Mas, toda essa coragem terá valido a pena?
Muitos estão argumentando as denúncias no sentido de não haver provas. Esse atraso na justiça brasileira; essa lentidão do funcionalismo público; essa preguiça e falta de vontade de trabalhar, apurar e dar a cara a tapa para fazer o que é certo; essa conivência generalizada; o medo; a falta de empatia com o sofrimento alheio; esses “embargos dos desembargos”: tudo isso contribui para que criminosos continuem impunes e tenham tempo para pensar num plano de ação efetivo para se livrar das acusações. Nesse momento, dois anos depois de extrema lentidão no processo, as provas em computadores e celulares do criminoso possivelmente já desapareceram.
E quais provas devemos pedir à vítima, uma criança de dez ou onze anos? Isso numa época em que os smartphones, por exemplo, nem eram tão populares no Brasil. Esses pedidos de provas só colaboram no sentido de culpabilizar ainda mais a vítima: “você acusa mas não tem provas”. Desejamos que o Petrix apresente vídeos de uma câmera escondida que ele colocou no quarto para filmar as coisas que o Fernando estava fazendo de madrugada ou na famosa “salinha”? A criança não teve coragem de contar para a família dela! Quanta coragem ela precisaria para uma ação tão meticulosa no sentindo de vencer seu agressor? Você realmente acha que uma criança de dez anos, abusada, violentada e coagida, tenha tido força e inteligência emocional para isso? Como penalizar um agressor sexual no Brasil? Os 42 ginastas que foram ouvidos, confirmando o mesmo padrão de ação e as mesmas histórias contra a mesma pessoa no mesmo lugar, não são suficientes? Ou foi feita uma conferência nacional para montar um complô contra o treinador ou os 42 ginastas estão falando a verdade. A sanidade mental de cada um que lê esse texto tende a acreditar na segunda opção.
Sobre as piadinhas internas, nada além do esperado. A cultura machista não perdoa! Entretanto, não podemos imputar a responsabilidade de tudo em uma só pessoa, como a reportagem sugeriu. Psicólogos ouviram rumores, dirigentes de clubes ouviram rumores, treinadores, ginastas que não foram abusados e muitas outras pessoas: todos que souberam, ouviram, riram ou fofocaram sobre o assunto poderiam ter saído em defesa dos ginastas. Onde tem fumaça tem fogo. Fica uma lição: se não tem força, provas ou coragem suficientes para falar, ao invés de entrar na zoeira disque 100! Faça a sua parte para que algo efetivo aconteça.
A situação é constrangedora para a ginástica brasileira. Campeões olímpicos em potencial podem nunca pisar num ginásio de ginástica depois da divulgação das acusações. Pais do Brasil inteiro, cientes da situação, estão com medo. Todos que trabalham com ginástica, nesse momento, correm o risco de ter o trabalho prejudicado de alguma forma. Pessoalmente falando, recentemente resolvi investir em uma escola de ginástica particular; também posso perder alunos e o medo dos pais é compreensível. Nesse sentido, precisamos assumir o risco de talvez sermos prejudicados no trabalho com a ginástica hoje do que sermos coniventes com uma situação tão grave. Entre perder oportunidades e combater essa doença que o abuso se tornou no nosso amado esporte, devemos sempre escolher a segunda opção.
Texto de Cedrick Willian
Foto: Ivan Carvalho / Melogym / Gym Blog Brazil
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