Assistindo o Pan hoje á tarde e lendo a quantidade de comentários sobre a ginástica feminina (por vezes agressivos e infundados), lembrei da atuação da equipe feminina no Mundial duas semanas atrás. Esse pode ter sido um dos anos mais difíceis da ginástica feminina do Brasil. Toda essa dificuldade tem um motivo pra ter acontecido. Toda essa dificuldade precisa ser repensada.
Mundial de Tóquio
Antes do Mundial de Tóquio começar eu havia feito um texto dizendo sobre as chances reais e as possibilidades do Brasil na competição. Se você não leu, clique aqui. Sobre as chances reais eu havia dito que: a equipe se classificaria para a repescagem; Jade Barbosa seria finalista de salto; Daniele Hypólito e Jade Barbosa seriam finalistas do individual geral. Analisando a equipe e deixando a parte “fã” de lado, era isso que eu esperava. E o esperado realmente aconteceu: a equipe se classificou, Jade foi finalista de salto, Daniele foi finalista do individual geral e Jade quase entra pra final do individual geral também, mas algumas falhas deixaram ela como reserva. Entre as possibilidades (o que poderia acontecer mas eu não tinha certeza que iria acontecer) estava a medalha de Jade no salto, que quase chegou, mas por uma fatalidade na finalização do salto essa medalha acabou ficando fora do pescoço de Jade.
Um fato grande que prejudicou o Brasil nessa competição: a equipe viajou sem reserva. Desde o começo, a ginasta Gabriela Soares já era a melhor opção de reserva para a equipe. A ginasta Adrian Gomes se lesionou durante os treinos no Japão e teve que competir mesmo assim, já que a reserva (Ana Cláudia Silva) não estava em condições de substituir Adrian. O fato foi comprovado no dia 17 desse mês, quando Jade teve que ficar de fora do Pan e a CBG teve que enviar Gabriela ás pressas para o México. Gabriela pode não ter as séries mais difíceis do Brasil, mas é uma ginasta bem limpa e segura, que poderia ter sido usada para conduzir o Brasil em Tóquio, transmitindo a segurança psicológica que o time precisava. De fato, algumas notas foram infladas e outras abaixo do esperado, mas essa discussão é pequena perto do que o Brasil realmente precisa.
Pan-americano de Guadalajara
Hoje o Brasil teve sua pior participação como equipe desde o Pan de 1999. Há motivos para desespero? Devo achar que não. As ginastas que competiram hoje estão há mais de um mês fora de casa. Sofreram lesões, foram substituídas ás pressas e o cansaço falou um pouco mais alto. Entendo que o Pan-americano é um campeonato importante para o Comitê Olímpico Brasileiro e a ginástica deve sim participar, mas o lugar que essa equipe deveria estar era no Brasil descansando. Descansando para começar, o mais rápido possível, um novo ciclo de treinamento com pico de performance em janeiro. Tarefa difícil para dirigentes, técnicos e atletas, mas que deverá ser desempenhada. Muitos vão discordar da minha opinião, mas o Brasil não deveria ter competido o Pan. Essas duas semanas no México são duas semanas a menos de preparação, mesmo que seja psicológica, para a repescagem em Londres, tendo em vista que o objetivo da equipe é se classificar para os Jogos Olímpicos. Torci para que uma medalha viesse hoje e fiquei triste por ela não vir, mas entendo os motivos disso. Hoje o Brasil ficou atrás do México e da Colômbia. Dessas duas equipes, apenas uma competiu em Tóquio: a equipe do México, que ficou três posições atrás do Brasil e nem mesmo se classificou para a repescagem olímpica. A equipe da Colômbia já estava fora dessa possibilidade desde o ano passado…
Qual o motivo dessa queda nos resultados?
Faço uma análise histórica do acontecimento. Em meados de 2003 foi criada, pelos antigos dirigentes da CBG, a seleção permanete de ginástica artística. Era regra na época: só poderia representar o país quem estivesse dentro dessa seleção permanente. A regra não “colou” na ginástica masculina, mas foi seguida á risca com a ginástica feminina. De fato, todas as ginastas com potencial olímpico foram concentradas em um só lugar, juntamente com os melhores técnicos brasileiros, salvo os que não tinham recursos para estarem lá. Fazendo isso, os “espelhos” foram tirados dos clubes e, consequentemente, o desempenho nos clubes caiu. Alguns treinadores foram demitidos, outros foram embora do país, outros começaram a exercer a profissão de outra forma. Entendo que atletas da seleção são atletas selecionados. Mas, de onde selecionar atletas para seleção, já que a ginástica dos clubes estava acabando? Sem espelhos e sem treinadores capacitados, como fazer para continuar a formação contínua que traz a renovação?
Dessa seleção permanente, poucas restaram. Por um motivo ou outro houveram várias desistências. Dessa seleção, sem potencial de renovação, sobraram poucas. As que sobraram, sobraram sem condições físicas de um contínuo imediato. 2009, ano pós seleção permanente, foi o ano das lesões. As melhores atletas do país estavam sem condições de competir internacionalmente. Como os clubes ficaram abandonados, quem poderia substituir essas grandes atletas? Ninguém.
Muitos se perguntam por que Daniele e Daiane ainda estão na seleção, mesmo com idade um pouco avançada para o esporte, equanto deveriam estar dando graças á Deus de ainda podermos contar com elas. Respondo: porque o Brasil não tem ginastas que apresentem o nível técnico que elas apresentam. Elas estão lá por que são as melhores para estarem lá e não existe nenhuma ginasta para substituí-las no momento. Por ainda estarem lá representando o Brasil, as pessoas exigem resultados, sem perceber que elas conseguiram passar por mais um ciclo olímpico. Daniele e Daiane foram formadas nos anos 90, época que não se exigia trocos na vertical na paralela. Os saltos de dança eram galopes com pirueta e valiam D! Se você analisar as ginastas que competiram em Tóquio, poucas competiram nos anos 90. Beth Tweedle e Oksana Chusovitina são exemplos. Elas ainda estão competindo sim, mas com um detalhe: são ginastas especializadas, enquanto Daniele, por exemplo, ainda é requisitada no individual geral. As ginastas que competiram nessa época optaram por se aposentarem do esporte por não haver mais a necessidade de treinos em seus países. Haviam ginastas juvenis chegando no adulto com melhores condições que elas, fato que não aconteceu no Brasil.
O que fazer agora?
Com certeza é a pergunta que está bombando na cabeça de todo mundo, principalmente dos treinadores. Cada um sabe a realidade de treino e capacidades de suas atletas, e tentarão extrair o melhor disso para que a classificação aconteça. Acho que todos merecem um descanso. Precisam recuperar as energias, sentir o abraço da família, ouvir o apoio de quem torceu… Feito isso, o que devem fazer é se concentrarem na repescagem, gastarem tempo na reformulação dos treinos (já que o tempo é curtíssimo) e usarem o código de pontuação á favor das séries. E eu tenho certeza que é isso que farão.
Falando da ginástica como um todo
Agora não é hora de pensar no que passou ou mesmo procurar culpados para o baixo desempenho. Nem mesmo achar que a solução de todos os problemas está nas mãos de uma pessoa só. Agora é hora de reformular a ginástica do Brasil, com ginastas, técnicos e dirigentes funcionando como um corpo saudável: todos os órgãos são importantes para o bom funcionamento. Hora de deixar o ego de lado e pensar no que é melhor para a ginástica do Brasil. Hora de disseminar conhecimento, popularizar a ginástica da forma correta, formar treinadores! Aí poderemos sonhar com o Brasil levando um time A para o Mundial e voltando para casa com uma medalha, enquanto o time B compete o Pan e também volta pra casa com uma medalha.
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